Entrevista Sérgio Santos
Tiago Osório2024-10-09T18:24:14+01:00Falar de Triatlo sem falar de Sérgio Santos é como cometer uma grande penalização de tempo. Treinador. Diretor Técnico na Confederação Brasileira de Triathlon desde 2018. Especialista em Treino de Alto Rendimento e Formação de Treinadores. Professor. Fundador da Ontrisports. Ou, resumindo o currículo, um homem com uma grande paixão. Se é para falar de triatlo, falamos também com Sérgio Santos.
“Os resultados foram muito bons em Paris, sobretudo porque foram alcançados por atletas jovens que têm, pelo menos, mais duas olimpíadas pela frente” – Sérgio Santos, Ontrisports
Enquanto referência, nacional e internacional, na modalidade, gostaríamos de pedir-lhe um check up (“avaliação de condicionamento”) ao triatlo em Portugal.
O tema mereceria muitas páginas. Apesar de trabalhar há 14 anos com o Brasil no Alto Rendimento, tenho acompanhado o triatlo em Portugal de forma atenta.
(Na verdade, estamos desde 2018 profundamente enraizados no Triatlo amador com o nosso projeto ONTRISPORTS, uma assessoria especializada na avaliação e planeamento do treino, além de comercializarmos e importarmos algumas marcas relacionadas com o Triatlo.)
O Triatlo tem vindo a crescer essencialmente no setor privado e para os atletas amadores. Isto é, as maiores competições e que movimentam mais triatletas, como é o caso do Setubal Triathlon que ultrapassou este ano os 1000 participantes, ou o IRONMAN Cascais com cerca de 3000 participantes em 2023, são os eventos de referência e que mobilizam mais massa crítica.
Do “outro lado” existe a atividade federativa, que não tem conseguido, na minha opinião, aproveitar, nem integrar este boom do setor privado. Na minha perspetiva, as competições nacionais não têm sido mais atrativas nem têm mobilizado mais atletas.
Quanto ao alto rendimento, existe um grupo restrito de atletas que têm conseguido bons resultados a nível internacional, como foi o caso nos últimos Jogos em Paris e em mais algumas competições internacionais. Mas na prática, esta geração que agora tem felizmente conseguido alguns pódios, tem feito o que outros atletas alcançaram nos últimos 20 anos. Continuamos com pouca profundidade, sabendo que não é fácil que essa profundidade exista, pois, o nível internacional requer, não só muito talento, como também um investimento quase exclusivo ao treino, sendo muito difícil em modalidades de pequena dimensão como o Triatlo.
Mas considera que a modalidade tem crescido…. Quais as gerações que mais se sentem atraídas pelo triatlo e porquê/ a que se deve esta procura?
Neste momento a elevada procura reside no setor amador em atletas acima dos 30 anos. A procura de novos desafios numa fase da vida em que já existe alguma estabilidade, a procura de um estilo de vida saudável, e o facto de o Triatlo ser uma combinação viciante de 3 segmentos como a natação, ciclismo e corrida, retiram monotonia e aumentam o desafio. O Triatlo é uma modalidade que “está na moda” e que vai continuar a crescer por muitos mais anos se soubermos criar os desafios e as experiências que os atletas buscam.
Portugal ficou à beira do pódio nos Jogos Olímpicos de Paris. Ainda não atingimos o feito de Vanessa Fernandes em Pequim 2008. Enquanto treinador, o que podem/devem os jovens triatletas aprender com a prestação de Vanessa? (Aspetos mais ou menos positivos.)
Os resultados foram muito bons em Paris, mais ainda porque foram alcançados por atletas jovens que têm, pelo menos, mais duas olimpíadas pela frente se continuarem a trabalhar e se lhes forem criadas condições para se manterem ao mais alto nível. Relativamente à Vanessa, creio que abriu uma porta e mostrou um caminho. Mostrou que é possível vencer, mesmo sendo português, e isso creio que passou para as gerações seguintes. Quando a Vanessa conquistou a medalha em Pequim, vinha de quatro anos com cerca de 30 vitórias internacionais, o que lhe conferia um estatuto de favorita a um dos lugares do pódio. Quando estes jovens atletas que competiram em Paris atingirem mais alguma consistência em lugares no pódio, em grandes competições, também poderão alinhar à partida dos próximos Jogos Olímpicos com real aspiração a medalha. A medalha da Vanessa foi extremamente positiva, no sentido de ter deixado uma cultura de trabalho que hoje caracteriza os atletas portugueses de sucesso pelo mundo. Quanto a pontos menos positivos, destacaria o facto de não termos conseguido mais participações Olímpicas por parte da Vanessa, mas o que conquistou foi sensacional.
A sua larga experiência como treinador diz-lhe que existe um perfil de campeão no alto rendimento? Que características tem?
Talento, trabalho, e capacidade de render mais no dia certo. Alguns atletas são sensacionais em treino, mas não conseguem reproduzir isso em competição, por vários motivos, nomeadamente por não conseguirem do ponto de vista mental, dar tudo na hora da prova. Isso trabalha-se naturalmente, mas os atletas “vencedores” têm de alguma forma essa característica inata. Se tiver de destacar algum ponto para o sucesso, direi sempre trabalho e consistência.
Qual é o peso do impacto psicológico nos “atletas que nunca olham para trás”?
Não existem atletas que “nunca olham para trás”. Existem aqueles que gerem melhor as suas emoções e os seus medos. Que conseguem transformar isso em energia positiva para serem superiores aos adversários. Numa sociedade em que vamos sendo formatados para “sermos todos iguais”, ainda existem aqueles que querem vencer, que querem ser melhores, e que estão dispostos a trabalhar mais que os outros na tentativa, não garantida, de terem mais sucesso. Diria que a grande componente psicológica está na motivação intrínseca para trabalhar mais, durante vários anos.
O Sérgio Santos foi apelidado de “Mourinho” do Triatlo. Qual é o principal desafio para os treinadores de uma modalidade que está em constante mudança?
Ficámos naturalmente muito orgulhosos na altura. Acredito que teve a ver com o facto do José Mourinho estar num momento da carreira dele com muitos títulos, tal como aconteceu com a Vanessa entre 2004 e 2008, e também pelo facto de termos sido formados na mesma faculdade, a Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa. Também acredito que existiu algum paralelismo entre a cultura de trabalho que identificava o José Mourinho, e a que caraterizava o grupo de atletas com que trabalhávamos, mas também pela elevada especificidade que ele dava aos seus treinos. Nós também acreditávamos muito nessa especificidade, e introduzimos na nossa metodologia do treino, muitas sessões com elevado foco nas transições e componente técnica. Passámos também a utilizar de forma sistemática o treino em altitude várias vezes por ano, tal como o recurso a tendas de hipoxia simulada para tentarmos adaptar, manter e prolongar os estímulos similares à altitude, mesmo quando ao nível do mar. O Triatlo é uma modalidade muito jovem, e quanto mais jovem a modalidade é, mais é suscetível de mudar e evoluir rapidamente. Os treinadores devem acompanhar, e de preferência antecipar as tendências, atualizarem-se cientificamente de forma permanente, sob risco de rapidamente se verem ultrapassados por outras metodologias. Seja como for, o Triatlo continua a ser uma modalidade em que “o trabalho compensa”.
O Sérgio foca-se muito na metodologia de treino, área em que se especializou. O método compensa? O que explica as suas palavras: “o triatlo é um desporto muito justo”.
Uso recorrentemente essa expressão e acredito piamente no que digo. Quem trabalha mais e melhor, será melhor atleta. Existe uma relação direta entre trabalho e resultado, e ainda bem que assim é. Atualmente, a tendência da sociedade é passar uma mensagem de “consiga isto ou aquilo sem esforço”. Basta assistirmos aos comerciais da televisão. Pois o Triatlo é a antítese disso tudo. Nada vai acontecer de forma fácil. Cada treinador tem a sua metodologia do treino. Nós temos a nossa, com base científica, mas sobretudo com base prática e de ser aplicada no dia-a-dia. Acredito na ciência, na inovação, mas acredito ainda mais no trabalho. Não existem triatletas nem treinadores de sucesso que trabalhem pouco ou que não sejam muito sérios nos que fazem.
O Sérgio fez a sua primeira meia-maratona aos 16 anos. Antes disso, em França, nadava. E praticava tiro com arco. Ia para a escola de bicicleta. Aos 17 já era treinador de basquetebol. É possível abrir as portas do triatlo à geração Tik Tok (geração Z/novas gerações)?
Tive o privilégio de ter uma infância muito rica em experiências, mas também uma tendência natural para o desporto, não só como praticante, mas ainda mais como treinador. Acredito que existem jovens treinadores talentosos e que sabem que, sem muito investimento na carreira deles num misto de trabalho no terreno e de estudo, nunca vão marcar a diferença. Tenho a sorte e privilégio de trabalhar com alguns treinadores jovens que tenho formado porque acredito no potencial deles, apesar de serem muito mais jovens do que eu. Ser treinador não é uma profissão que se abraça só porque se quer. Existe uma dose grande de vocação, que fará toda a diferença ao longo dos anos. É como tantas outras profissões, em que facilmente identificamos “aquele médico” ou “aquele professor” que foram formados como tantos outros, mas que são diferentes dos demais e que nos marcaram. A minha mensagem para os jovens treinadores é muito simples. Se querem ser diferentes dos demais, têm de se comportar de forma diferente. Ser Treinador implica muitas madrugadas e muitos fins de semana. Quem pensa em ter um “emprego” das 9 às 5 com 40h semanais, que escolha outra profissão. Ser treinador implica partilharmos as rotinas dos atletas e levarmos muitos problemas por resolver para casa. Isso só é possível para quem desenvolve a sua atividade com grande paixão, tal como os atletas.
Qual é a sua parte favorita da prova de triatlo?
O processo de preparação. Alinhar à partida na melhor condição possível passa por um conjunto de etapas ao longo de várias semanas, de altos e baixos, que fazem da competição “a parte fácil”. Na competição, retira-se o investimento dado à preparação. Durante as competições, gosto particularmente da corrida final. Mesmo treinando atletas de alto rendimento há tantos anos, fico sempre maravilhado em ver os melhores atletas masculinos conseguirem correr os 10K abaixo dos 29 minutos e os melhores femininos abaixo dos 33 minutos, depois de terem nadado 1500m entre 16 e 18 minutos e pedalado 40km bem abaixo de 1 hora. Quem pratica atletismo, sabe da dificuldade em se alcançarem estes tempos mesmo sem natação e ciclismo antes.
Que percentagem ocupa a nutrição na “arte do planeamento” para uma prova de triatlo?
Creio que principalmente no triatlo de longa distância, a nutrição foi a grande evolução dos últimos anos. Conseguiram-se avanços significativos com as bicicletas em termos tecnológicos e com a aerodinâmica, mas considero que a nutrição teve grande influência nos tempos que se conseguem atualmente na distância longa. Não consigo quantificar que percentagem ocupa, nem provavelmente ninguém conseguirá, mas é certo que em esforços de longa duração, a questão energética é chave, sendo a nutrição parte essencial do processo de preparação. Para além da alimentação, e que tem a ver com as refeições e tipo de dieta alimentar que o atleta segue, a nutrição faz atualmente parte do planeamento e é treinada de forma sistemática em quantidade e frequência que vai sendo reajustada até se encontrar a dose individual de cada atleta, um pouco à imagem do que acontece com a carga de treino.
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